Camila Carvalho entende que "nunca se teve uma cobertura hegemônica no Brasil, a suposta tradição não sustenta a prática, e a população não saber o porquê se vacina, deixa bem mais frágil". Até pouco tempo, acreditava-se que o País já teria criado uma "cultura de imunização", mas o estudo mostra como uma dita tradição não é suficiente para uma cobertura realmente eficaz, tendo em vista as desigualdades no Brasil e as dúvidas não solucionadas de muitos cidadãos.
O estudo, que acabou tendo suas entrevistas conduzidas em plena pandemia de covid, cita o contato com outras famílias hesitantes como o principal gatilho para questionamentos sobre a vacinação de rotina. Para as pesquisadoras, a falta de debates sobre a ciência com a sociedade civil dificulta o entendimento. "Os debates democráticos que ajudem amplas parcelas da população a ter conhecimento científico, a não desinformação e uma defesa justa da ciência, e não cega por parte da classe científica, ajudariam a entender os anseios da população", complementa Márcia Falcão.
"As famílias entrevistadas apresentam diversas críticas sobre a irredutibilidade e inflexibilidade das instituições diante de suas dúvidas sobre a vacinação. Além disso, o caráter 'inquestionável' atribuído às vacinas pelos prestadores de cuidados de saúde é mencionado como uma barreira para o sucesso das discussões sobre vacinas com eles. As famílias sentem que os profissionais de saúde se encontram numa posição de superioridade moral intransponível - e questionam esse estatuto. A crítica às vacinas é também uma crítica às relações de poder estabelecidas na relação profissional de saúde-paciente", descrevem elas no artigo.
Na avaliação da professora, os governos e instituições públicas de saúde não podem fechar os olhos para as pessoas que duvidam da vacina, porque mesmo sendo uma decisão individual, essas críticas e recusas atingem a saúde de maneira coletiva. "Falar sobre vacina, seja da forma de produzir, da forma de estudar, da forma de entender os mecanismos de ação da vacina, mas também das formas das pessoas duvidarem, entender a forma como as pessoas precisam de melhor informação sobre a vacina, e dos medos ou receios que elas têm da vacina é muito importante para a comunicação pública da ciência", diz.
Para ela, essa comunicação tem que ser democrática e inclusiva; e não só para um grupo ou para as elites. "A comunicação pública e democrática da ciência é um dever dos cientistas perante a sociedade", enfatiza Márcia Falcão.
As conclusões da pesquisa foram discutidas no artigo Caregivers' perceptions on routine childhood vaccination: A qualitative study on vaccine hesitancy in a South Brazil state capital, publicado na revista Human Vaccines & Immunotherapeutics.
Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/vacinacao-de-rotina-infantil-por-que-pais-e-cuidadores-hesitam/